Estamos vivendo um tempo marcado pelos meios de comunicação. A grande
maioria dos brasileiros se informa pelo rádio e pela televisão. Um dos
motivos que impedem que a radiodifusão seja a porta-voz da democracia é o
envolvimento de radiodifusores (concessionários de rádio e de
televisão) na política partidária. Formam um bloco parlamentar poderoso.
As concessões são passadas, por herança, de pai para filho. Há muitos
anos, a mesma "força política" comanda parte da mídia eletrônica,
monopoliza a informação e divulga o que lhe interessa. "Força política"
que tem tido um peso significativo no resultado das eleições no Brasil.
Ela fez da radiodifusão um trampolim político para o radiodifusor
disputar cargos eletivos.
Fiz uma pesquisa sobre o uso da radiodifusão para conquistar cargos
eletivos e sobre o direito do cidadão, principalmente o mais pobre, de
ter livre acesso às informações de seu interesse. Os assuntos se
entrelaçam.
Cheguei à conclusão de que grande parte das concessões foi outorgada
pelas ditaduras Vargas e militar. Os governos Dutra, Vargas, JK, Jânio,
Jango, Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma praticamente nada
fizeram para democratizar a outorga da concessão de serviços de
radiodifusão. A razão talvez tenha sido a "governabilidade", operação
que ficou conhecida como "é dando que se recebe".
Nem o governo do saudoso Juscelino Kubitschek foi poupado de
críticas. A relação de amizade entre o então presidente e o dr. Assis
Chateaubriand (dono da primeira grande rede nacional de rádio e
televisão) foi alvo de duras críticas por parte da oposição.
O tempo passou. Tivemos a Constituinte de 1988. Apesar do avanço
impressionante da sua tecnologia, a radiodifusão continua anacrônica.
Pois, como diz o eminente jurista Celso Antonio Bandeira de Mello,
"tanto a permissão quanto a concessão de serviços públicos far-se-ão
'sempre através de licitação'. Contudo, entre nós, quando se trata de
concessão ou permissão de rádio ou de televisão, tal regra é
inteiramente ignorada, seguindo-se, quando muito disfarçadamente, a
velha tradição do mero favoritismo. Como se sabe, é grande o número de
congressistas que desfruta de tal benesse. Neste setor reina - e não por
acaso - autêntico descalabro. A questão é particularmente grave porque,
em país de alto contingente de iletrados e no qual a parcela de
alfabetizados que leem, mesmo o jornal, é irrisória, o rádio e a
televisão são os meios de comunicação que verdadeiramente informam e, de
outro lado, formam, a seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os
senhores de tais veículos dispõem de um poder gigantesco..." (Curso de
Direito Administrativo, Malheiros Editores).
Como se vê, há de se aplaudir a presença do povo brasileiro nas ruas.
Ele também quer ouvir a informação que lhe interessa. Não quer que
ninguém lhe faça a cabeça. Quer trabalhar seu senso crítico. É o que
acontecerá quando a outorga da concessão de serviços de radiodifusão for
democratizada.
É preciso uma ampla e profunda reforma na radiodifusão brasileira.
A propósito, o ilustre professor Bandeira de Mello diz o seguinte em
outro trecho de seu livro acima citado: "O tratamento que a Constituição
dispensou ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou
sequer incomodar forças tão poderosas - as maiores existentes no País.
Veja-se: a disciplina da matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei
Magna. Ali se estabelece que a outorga e renovação de concessão,
permissão ou autorização para radiodifusão sonora e de sons e imagens
competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional apreciará tais
atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei de
iniciativa do presidente, para os quais este haja demandado urgência. A
outorga ou renovação só produzirá efeito após deliberação do Congresso.
Agora, pasmem! Para não ser renovada concessão ou permissão é necessário
deliberação de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional!".
Hoje, Dia Nacional da Radiodifusão, vamos às ruas protestar, exigir mudanças radicais no setor de radiodifusão!
Quais mudanças? Tenho uma ideia incipiente que poderá provocar a
imaginação e a inteligência de legisladores e juristas interessados no
assunto.
Como os radialistas-candidatos têm de sair do ar quando sua
candidatura é homologada em convenção de seu partido, voltando após as
eleições, entendo que a emissora do radiodifusor-candidato (ou de um
candidato que seja simples sócio das empresas concessionárias) tenha de
passar a transmitir a programação da rádio ou da televisão educativa de
seu Estado durante o período que antecede as eleições. Ela fica impedida
de transmitir sua programação normal.
Se a emissora do radiodifusor-candidato se mantivesse isenta no
tocante às eleições, eximindo-se de proferir juízo e opinião de natureza
político-partidária, poderia eu admitir a desnecessidade do período de
impedimento. Entretanto, isso não ocorre e jamais vi ocorrer nos últimos
43 anos.
Não é justo que empresas de radiodifusão se tornem eleitoras
privilegiadas, exercendo influência descabida sobre o eleitorado.
Acredito que esta minha ideia (discutida e mais bem trabalhada) seja uma
de muitas que podem ajudar a democratização da informação.
A propósito, faço minhas as palavras de Rui Barbosa: "Todo o bem que
se haja dito, e se disser da imprensa (radiodifusão), ainda será pouco,
se a considerarmos livre, isenta e moralizada. Moralizada, não transige
com os abusos. Isenta, não cede às seduções. Livre, não teme os
potentados" (A Imprensa e o Dever da Verdade, Editora Papagaio).
*Francisco Paes de Barros é diretor-geral de operações da
Rádio Capital, foi diretor da Rádio Record, do Sistema Globo de
Rádio/São Paulo, da Rádio América e da Rádio 9 de Julho.
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